Entrevista Pedro Ramos - Soluções Inovadoras para a Escassez Hídrica
Soluções Inovadoras para a Escassez Hídrica
Entrevista a Pedro Ramos – Diretor Departamento de Gestão de Ativos
1. DESSALINIZAÇÃO: UMA RESPOSTA SUSTENTÁVEL
O investimento na dessalinização tem sido um dos projetos mais falados na nossa região. Pode explicar-nos como este projeto está a ser desenvolvido e quais são os seus principais objetivos?
A implementação deste projeto está em a ser desenvolvido pela Águas do Algarve em várias fases.
Numa primeira fase, foram desenvolvidos os estudos técnicos relativos à implementação da Dessalinização na Região do Algarve, os quais abrangeram várias vertentes e realizadas de forma sequencial. Num primeiro passo foram desenvolvidos os estudos necessários à caracterização e comparação técnico-económica e ambiental de alternativas para a sua conceção.
Eleita aquela que foi considerada como a solução a implementar, passou-se então para uma segunda fase, através da qual a referida solução foi submetida a Procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).
Nesta fase, através do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) produzido, foram identificados e avaliados os impactes ambientais, socioeconómicos e culturais associados à concretização deste projeto, apresentando igualmente propostas de medidas de mitigação dos impactes negativos que vierem a observar-se, bem como, a enumeração das ações de monitorização das variáveis ambientais potencialmente afetadas.
Concluído o EIA e feita a sua avaliação quer pela Comissão de Avaliação constituída pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) na qualidade de Autoridade de AIA, quer pelas entidades públicas e particulares que intervieram no processo de AIA, obtivemos a Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada, que nos permitiu passar para a fase seguinte, ou seja, para a fase de contratação da empreitada.
Desta forma, no dia 16 de fevereiro de 2024 foi publicado em Diário da República o anúncio para a contratação da Conceção-Construção e Exploração do Sistema de Dessalinização na Região do Algarve.
Culminando todo um processo pré-contratual complexo, no passado dia 1 de outubro foi adjudicada a Conceção-Construção e Exploração do Sistema de Dessalinização na Região do Algarve ao Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) formado pelas empresas LUSÁGUA – SERVIÇOS AMBIENTAIS, S.A., AQUAPOR – SERVIÇOS, S.A. e GS INIMA ENVIRONMENT, S.A.U., pelo valor de 107.922.830,00 Eur e com um prazo total de 2.210 dias.
De salientar que deste prazo total, 1095 dias dizem respeito à fase de Exploração das infraestruturas pelo ACE, de forma a garantir que as eficiências declaradas em contrato são cumpridas.
Este investimento inserido no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o qual incluiu esta solução através do Investimento RE-C09.i01.04, designado por “Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve – SM6 – Promover a dessalinização do mar” e enquadrado na Componente C09 do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com um valor de comparticipação de 54 MEur, tem como principal objetivo dotar o Sistema de Abastecimento de Água do Algarve (SMAAA) de uma maior resiliência, ao adotar-se como uma nova origem de água para abastecimento de água para consumo humano a água do mar, origem de água robusta e não se encontra dependente de situações de escassez hídrica, pois poderá considerar-se uma fonte inesgotável.
Através desta infraestrutura será possível a produção no ano de arranque da instalação de um caudal de 500 l/s (máximo de 41.200 m3/dia = 16 hm³/ano), o que representa cerca de 22% do volume de água fornecido pelo SMAAA aos seus clientes, e a execução nesta fase das obras marítimas e todos os trabalhos de construção civil em terra, isto é, de modo a ficarem preparados para uma produção de 750 l/s (máximo de 64.800 m 3 /dia = 24hm3/ano).
Quais os benefícios ambientais e económicos que a dessalinização traz para o Algarve, especialmente num contexto de escassez hídrica?
A implementação da solução de dessalinização de água do mar para consumo humano no Algarve tem como principais vantagens ambientais o alívio do stress que é exercido atualmente nas origens de água convencionais (superficiais e subterrâneas), as quais pelos sucessivos episódios de seca que se têm verificado nesta região têm vindo a registar uma substancial diminuição das suas disponibilidades, assim como da sua qualidade por aumento da sua contaminação.
Sendo factual que os episódios de seca na região do Algarve ocorrem de forma cada mais frequente e prolongada e que o nível de procura de água tem vindo a aumentar, quer pelo crescimento populacional, quer pelo aumento de consumo de água per capita, quer ainda pelo crescimento económico, nomeadamente turístico, a implementação de uma solução de dessalinização de água do mar para produção de água para consumo humano assume um caráter estrutural para esta região, já que permitirá garantir que o abastecimento de água às populações, quer residente, quer temporária seja efetuada com a qualidade e quantidade necessária, mesmo em situações de grave escassez de água nas origens convencionais .
Existem desafios específicos que a empresa enfrenta ao implementar este tipo de infraestrutura, como seja nível técnico, ou outros?
Claro. Trata-se de implementar uma solução que pela sua dimensão e natureza é única em Portugal Continental.
Embora o processo de dessalinização de água do mar através do processo de osmose inversa estar bastante presente em vários países, nomeadamente na nossa vizinha Espanha, em Portugal só se avançou com uma instalação desta natureza na Ilha de Porto Santo.
Desta forma iremos ter o desafio de construir e operar uma infraestrutura diferente, que possui órgãos importantes em pleno mar, quer seja para se efetuar a captação de água salgada, quer para a rejeição da salmoura, sendo que esta última será realizada através de difusores específicos e calculados para que a dispersão da pluma se faça da forma menos impactante possível no meio marinho.
Tratando-se de uma solução de grande consumo energético, outro dos desafios igualmente importante é a eficiência energética das várias etapas de tratamento que a constituem, sendo desafiante o seu modo de exploração, embora esteja igualmente contemplado a construção de um parque fotovoltaico que irá assegurar que parte da energia consumida na instalação seja proveniente de fonte renovável.
2. REUTILIZAÇÃO DE ÁGUAS TRATADAS EM ETAR
Um dos projetos mais inovadores é a reutilização de águas residuais tratadas para a rega de campos de golfe. Pode explicar-nos como esta solução foi pensada e os benefícios que traz para a gestão da água?
O aproveitamento de água residual tratada para reutilização (ApR) já vem sendo feito há algum tempo da AdA. Damos como exemplo o aproveitamento de ApR em Quinta do Lago na rega de campos de golfe através do efluente tratado da ETAR da Quinta do Lago, assim como pelos Salgados através do efluente tratado da ETAR de Albufeira Poente.
No entanto, e também pelos motivos que levaram à implementação da dessalinização, torna-se necessário e urgente expandir o uso desta origem de água para utilização nos vários usos que lhe possam estar associados, nomeadamente em rega dos campos de golfe, agricultura, rega de espaços verdes, lavagem de ruas etc.
Desta forma será possível aliviar igualmente a pressão que se tem exercido nas origens de água convencionais e para os tipos de uso que acima referi, sendo possível implementar uma melhoria na gestão integrada dos atuais recursos hídricos da região, incrementando a percentagem de utilização de ApR, aproveitando para o efeito o investimento inserido no PRR, o qual incluiu igualmente esta solução através do Investimento RE-C09.i01.04, designado por “Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve – SM4 – Promover a Utilização de água Residual Tratada” com um valor de comparticipação de 23 MEur.
De notar que é objetivo da Submedida SM4, colocar em funcionamento um conjunto de quatro unidades de produção de ApR (ETAR´s de Vilamoura, Quinta do Lago, Boavista, Albufeira Poente e Almargem), que no seu conjunto representarão mais de 8 Mm3/ano de água residual tratada disponível para reutilização.
Quais os desafios de adaptar as ETAR para a reutilização de águas, tanto em termos de qualidade da água quanto de infraestruturas?
Embora as instalações que foram selecionadas para a produção de ApR sejam instalações que já possuem um grau de tratamento da água residual elevado, pois os seus pontos de descarga localizam-se em locais de sensibilidade ambiental acrescida (Ria Formosa e Lagoa dos Salgados), está sempre presente um fator que por regra é limitador da plena utilização da ApR, ou seja, a presença por vezes elevada de cloretos provenientes das infiltrações salinas nas redes em baixa.
No entanto, não deixando de ser considerada uma água residual, há que efetuar toda uma análise de risco na sua utilização caso a caso, quer ao nível da AdA como produtor deste tipo de água, quer igualmente do lado do cliente.
Como está a ser feito o diálogo com os principais setores utilizadores, como o golfe e a agricultura, para que esta solução seja bem-sucedida?
Existindo uma grande sensibilização por parte dos principais clientes para a temática da escassez hídrica nesta região, a qual, como todos sabemos, assume já um caráter estrutural, a disponibilização deste tipo de água assume elevado interesse por parte dos principais clientes, tais como o golfe e a agricultora, pois desta forma permite-lhes garantir que as suas atividades económicas não sofram avultados prejuízos quer por via da degradação dos campos de golfe, quer pela perda de produtividade das culturas.
Desta forma, forma o estabelecimento de acordos de fornecimento deste tipo de água pela AdA aos seus clientes (na sua grande maioria campos de golfe) não tem sido objeto de oposição, perspetivando-se que o aumento da percentagem de utilizando deste tipo de água seja uma realidade a muito curto espaço de tempo.
Sabemos que existem casos de sucesso na região, quer enumerar 1 exemplo?
Poderei dar dois exemplos concretos como já referido. Quer a Herdade dos Salgados, quer a Quinta do Lago são dois bons exemplos de entidades que utilizam à alguns anos ApR na reda dos seus campos de golfe (proveniente da ETAR da Quinta do Lago no primeiro caso e da ETAR de Albufeira Poente, no segundo caso).
3. INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE NO SETOR DA ÁGUA
A empresa tem investido em várias frentes para mitigar o impacto da escassez hídrica. Pode partilhar connosco alguns dos outros investimentos estratégicos que estão a ser feitos para garantir a segurança hídrica no Algarve?
A esse nível poderemos salientar os investimentos que estamos a desenvolver ao nível da recuperação de captações municipais e que possam possuir condições para que em caso de necessidade possam vir a ser aproveitadas para reforçar o SMAAA, assim como a conceção e a construção de jangadas que permitam aproveitar os volumes mortos das barragens de Odeleite e de Odelouca
Qual o papel da tecnologia e da inovação nestes investimentos? Existem novas soluções tecnológicas que estão a ser implementadas para aumentar a eficiência da gestão de água na região?
O papel da tecnologia e da inovação nestes investimentos assume um papel fundamental, pois permite dotar as infraestruturas de um elevado de eficiência funcional e energética. Estamos a falar de equipamentos eletromecânicos que cada vez mais são detentores de maiores graus de eficiência e fiabilidade, garantindo que o fornecimento de água se realize nas condições desejadas pela operação, assim como em termos de instrumentação e automação seja possível evitar episódios de funcionamento dos sistemas de forma indevida.
A reutilização e a dessalinização têm um custo energético elevado. Como está a empresa a equilibrar a necessidade de reduzir o consumo de energia com a urgência de garantir a disponibilidade de água?
Esse equilíbrio poderá ser feito através de um programa ambicioso denominado “Programa de Neutralidade Energética”, através do qual estão previstos um conjunto muito significativo de investimentos ao nível das energias renováveis, sejam de natureza fotovoltaica (terrestre e flutuante), eólica e hídrica
4. PERSPETIVA FUTURA E SUSTENTABILIDADE
Olhando para o futuro, quais são as principais metas da empresa em termos de sustentabilidade e eficiência hídrica para a região?
Em minha opinião, esta empresa deverá ter sempre como meta o fornecimento de água para consumo humano nos mais elevados padrões quer ao nível da qualidade do seu produto, quer ao nível da eficiência da sua qualidade de serviço.
Considero que para tal a gestão dos seus ativos deverá ser encarada como um dos aspetos fundamentais na sua política, de forma a manter os níveis de serviços pretendidos e reduzir os riscos ao máximo.
O Algarve é uma região turística e a pressão sobre os recursos hídricos tende a aumentar. Como é que a empresa está a preparar-se para garantir o abastecimento de água a longo prazo, conciliando turismo e preservação dos recursos naturais?
Todo o conjunto de medidas que atualmente se encontram contempladas no PRR e Medidas de Combate à Seca se destinam a aumentar o grau de resiliência do SMAAA, ou seja, quer através do incremento do grau de utilização da água residual tratada, quer através da bombagem de volumes mortos (Odeleite e Odelouca), quer pela bombagem de água do Guadiana para a albufeira de Odeleite através da captação do Pomarão e ainda pela dessalinização de água do mar para consumo humano, se destinam a garantir o abastecimento de água a longo prazo, conciliando turismo e preservação dos recursos naturais
5. RESPONSABILIDADES E DESAFIOS PESSOAIS
Sendo responsável por vários investimentos estratégicos na nossa região, como a dessalinizadora e a reutilização de águas tratadas, quais têm sido os maiores desafios que encontrou na gestão destes projetos? E, pessoalmente, o que o motiva a trabalhar numa área tão crucial como a gestão dos recursos hídricos?
Como será compreensível, os desafios têm sido muitos e das mais variadas situações.
Em primeiro lugar o sentido de responsabilidade pela necessidade e urgência na implementação de um conjunto tão alargado de investimentos, com tão elevado impacto da região. Estamos a falar de um conjunto de investimentos que rondarão os 290 Meur a serem executados até final de 2026. Pelo histórico desta empresa tal nunca foi efetuado.
Por outro lado, a complexidade e dimensão de alguns investimentos, em particular a dessalinização e a Tomada de Água do Pomarão, exigem da parte da gestão um elevado grau de desempenho e eficiência.
Mas também tudo isto se revela igualmente muito motivador pois irá permitir-me que contribua para que a minha região fique mais robusta no que toca ao abastecimento à sua população.
A água é um bem essencial e sem ela não há qualquer hipótese de vida. Para mim é um enorme privilégio puder contribuir para que tenhamos condições para que ela continue a correr nas nossas torneiras e com a segurança que todos nós sabemos que temos. È fundamentalmente isto que me motiva
A gestão de projetos tão complexos e inovadores como a dessalinizadora e a reutilização de águas tratadas envolve muitos desafios. Quais foram, até agora, os momentos mais desafiantes e gratificantes do seu trabalho?
Nesses desafios que referiste os mais desafiantes foram sem dúvida a colocação desses investimentos no terreno.
Nestes projetos, por estarem incluídos no PRR, são exigidos prazos de implementação das medidas que são extraordinariamente exigentes e não se coadunam com os prazos de resposta que por regra as entidades dispõem para pronuncia.
A gestão deste tipo de situações gera tensões e desafios nada fáceis. É óbvio que por toda esta tensão no decurso dos processos, o culminar com a concretização de colocar no terreno os investimentos gera sempre um grau de satisfação e gratificação por todo o trabalho que teve de ser realizado a montante.
6. VISÃO PARA O FUTURO
Como responsável por projetos de grande impacto na região, como imagina o futuro da gestão da água no Algarve nos próximos 10 a 20 anos? O que acredita ser essencial para garantir a sustentabilidade a longo prazo?
Considero que será absolutamente essencial se continuar com a implementação das medidas que têm vindo a ser desenvolvidas pelas várias entidades que atuam neste setor, caminhando no sentido da consciencialização de que a água é um recurso finito e que, portanto, há que caminhar no sentido de existir uma eficiência cada vez maior na sua utilização.
Acredito que através da aprendizagem que a região teve com esta elevada escassez hídrica, todos tenhamos tomado consciência da importância de gerirmos cada vez melhor este recurso tão precioso e cada vez mais escasso e por tal estou otimista que continuarão a ser dados passos no sentido de melhorarmos a nossa performance na gestão deste recurso
Muito obrigada
Teresa Fernandes